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Momento da seleção brasileira de vôlei masculino preocupa campeões olímpicos

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Serginho e Carlão, campeões olímpicos, ligam 'sinal de alerta' para momento da seleção brasileira masculina de vôlei (1:28)

Brasil acabou perdendo o título do Campeonato Sul-Americano de vôlei masculino pela primeira vez na história para a Argentina (1:28)

O Brasil vive um momento delicado no vôlei masculino. A seleção, que já venceu três vezes a medalha de ouro olímpica (Barcelona 1992, Atenas 2004 e Rio de Janeiro 2016), está enfrentando dificuldades e colhendo resultados ruins diante de países com menos tradição no esporte.

Em agosto, a seleção brasileira, que ficou fora do pódio em Tóquio nos Jogos Olímpicos pela primeira vez no Século XXI, não conquistou o Sul-Americano após uma derrota para a Argentina, que também superou o Brasil na disputa pelo bronze na última Olimpíada. A competição continental sempre foi vencida pelos brasileiros em todos as edições que a seleção disputou.

Dois meses depois, o time comandado por Renan Dal Zotto também tomou alguns sustos no torneio Pré-Olímpico que foi disputado no Rio de Janeiro. A seleção brigava por duas vagas para Paris em um grupo com Itália, Alemanha, Cuba, República Tcheca, Irã, Ucrânia e Qatar. A equipe verde e amarela, que dominou a modalidade desde o início dos anos 2000, quase foi surpreendida pelos tchecos e ucranianos, e perdeu para os alemães. O Brasil chegou na última rodada precisando vencer os italianos para carimbar a vaga para as Olimpíadas de Paris. A vitória e a vaga vieram, mas também com muita emoção e só no quinto e decisivo set, depois de ficar atrás no placar. O técnico Renan pediu demissão mesmo após o triunfo no Rio de Janeiro.

O momento do Brasil no vôlei masculino preocupa não só os torcedores que estão lotando o Maracanãzinho como também alguns dos responsáveis por essa dominância brasileira na modalidade desde o final dos anos 90 e o início do século XXI. Alguns campeões olímpicos não escodem sua torcida incondicional para a geração atual, mas também confidenciaram algumas preocupações com os resultados recentes.

Serginho, ex-líbero bicampeão olímpico e que estava na seleção até 2016, contou em entrevista exclusiva para o Bacará Ao Vivo.com.br como a derrota para a Argentina no Sul-Americano merece atenção:

"Tem que ligar o estado de alerta. Durante esses 16 anos que eu estive lá (na seleção), a gente sempre respeitou a Argentina. A gente sabia que a Argentina ia evoluir como time. Eles evoluíram, mas eu acho que a seleção brasileira é mais time. Perdeu normal. Os dois times evoluíram. A Argentina vem jogando voleibol muito redondo, voleibol de muita defesa e de muito volume. A gente tem que ligar o estado de alerta e ficar esperto para poder reverter essa situação.”

Carlão, ex-central e campeão olímpico em 1992, também comentou a derrota para os hermanos em exclusiva.

“Não gostei daquele resultado do Sul-Americano, até porque eu nunca perdi para a Argentina e principalmente por perder dentro do Brasil (o torneio foi disputado em Recife-PE). Na seleção, faltou um pouquinho de talvez entrar um pouco mais aguerrido e estar mais preparado para a partida. A gente sempre teve a Argentina como grande adversário.”

Rodrigão, ex-central campeão olímpico em 2004 e que ganhou ainda duas medalhas de pratas em 2008 e 2012, também conversou de forma exclusiva sobre o momento da seleção brasileira masculina de vôlei.

“Preocupa, de verdade. Preocupa porque eu acho que está faltando um pouco de tranquilidade na hora de tomar as decisões. A gente está com a cabeça um pouco conturbada. Algumas decisões me deixam bem preocupado. Às vezes uma parte tática e uma parte técnica.”

Giovane Gávio, bicampeão olímpico em 1992 e 2004, também ficou preocupado com esses resultados recentes da seleção.

"A gente nunca viveu isso nos últimos, sei lá, 25 anos. Tivemos momentos desafiadores e tivemos momentos menos bons, mas com resultados tão estressantes e tão carregados de preocupação, talvez esse seja o primeiro momento que a gente esteja vivendo."

"Óbvio que o mundo inteiro evoluiu, todo mundo está crescendo, tem centro de treinamento e entendeu que precisa treinar a parte técnica, porque até pouco tempo atrás ninguém treinava. Nós fizemos uma escola e mostramos para o mundo que toque e manchete são importantes."

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Serginho e Carlão, campeões olímpicos, ligam 'sinal de alerta' para momento da seleção brasileira masculina de vôlei

Brasil acabou perdendo o título do Campeonato Sul-Americano de vôlei masculino pela primeira vez na história para a Argentina

O técnico Renan Dal Zotto tem sido um dos mais criticados por alguns deslizes da seleção, mas Rodrigão reforçou que não é justo apontar um culpado.

“Tem muita gente falando do Renan, em especial, mas quando algo dá certo, como nossa geração, não era só o Bernardinho, eram todos os atletas e o Bernardinho. Quando as coisas vão mal é a mesma coisa. Então, todos tem que contribuir e ajudar de alguma forma. Ter um pouco mais de tranquilidade na hora de fazer uma mudança ou uma substituição e, às vezes, até não ter medo de arriscar. Nós tivemos um problema muito grande no jogo contra a Alemanha, e ali as mudanças pouco surtiram efeito.”

O campeão olímpico em Atenas, que hoje atua como secretário de esportes de Praia Grande, indicou um fator que pode ter provocado esse momento ruim do Brasil no vôlei masculino.

"A pressão vem aumentando a cada dia, ainda mais depois que a gente perdeu no Sul-Americano. A pressão está muito forte. Às vezes, acho que a nossa visão de jogo precisa ser ampliada. Eu falo mais o termo tático. Você às vezes está preocupado: Poxa, eu posso fazer um ponto de saque com essa substituição, mas eu estou vendo no geral? Porque não adianta você pensar em um ponto de saque, mas esquecer do bloqueio ou esquecer da jogada em si.”

Serginho também acredita que a pressão pode estar atrapalhando o grupo.

"São jogos difíceis, até por conta da pressão dos resultados negativos das competições anteriores. É uma pressão muito grande por parte do público, que é amante do voleibol. A pressão é até normal por conta de tudo aquilo que a seleção brasileira ganhou durante anos e anos. Não vai ser fácil.”

Giovane também opinou por que o Brasil pode estar sofrendo tanto e como deve aliviar um pouco a pressão.

"A gente não está no melhor da nossa fase e acho que isso é a primeira coisa que a gente tem que, talvez, cair na real. Nós não temos mais uma das melhores seleções do mundo. Isso já vai dar, talvez, uma tranquilidade para que eles joguem, gente. Vamos deixar os caras jogarem. Mas eu acho que tem jogadores ali que talvez ainda não estejam prontos para estar num momento importante como o que a gente está vivendo. No pré olímpico, onde decide uma vaga olímpica."

Nos jogos do Pré-Olímpico, Rodrigão ainda detalhou o que poderia ser diferente.

“E eu vi algumas substituições, mas volto a frisar, não é só o técnico, é o grupo todo. A gente teve uma noite (contra a Alemanha) complicada dos nossos dois ponteiros ali. Tanto o Adriano quanto o Honorato estão com dificuldades para fazer o ponto. Por que não arriscar ali? Talvez colocar o Alan junto com o Darlan, em uma posição nova ali de ponteiro para tentar ajudar o time."

"Então, às vezes não adianta fazer uma substituição para um saque melhor, mas esquecer que tava com um bloqueio pior. Então, a gente precisa pensar no todo. O grupo tem que ter tranquilidade para trabalhar e eu acho que não está tendo, a pressão é grande, mas que tem que ter a visão do jogo. A gente precisa ver o jogo com uma maior clareza ali no termo tático.”

Rodrigão também destacou a ausência de algumas peças que também colabora para esse momento complicado da seleção masculina de vôlei.

“Foi feito um investimento em algumas peças e essas peças acabaram saindo, até motivos pessoais ou às vezes não renderam como o esperado. Você pega aí o investimento que foi feito num Douglas Souza, por exemplo, ou no Yoandy Leal, que seriam peças importantíssimas desse grupo e que com certeza teriam jogado esses jogos em algum momento."

Douglas optou por se "aposentar" da seleção brasileira após os Jogos Olímpicos de Tóquio para cuidar de sua saúde mental, enquanto Leal pediu dispensa do pré-olímpico para tratar uma lesão nos joelhos.

"São craques que poderiam ajudar demais. O Brasil, infelizmente, não está contando com eles. Teve toda uma renovação do Victor Birigui também, que foi colocado (na seleção) em algumas situações. Ele também talvez poderia estar nesse grupo. Não sei se não rendeu o esperado durante o tempo que estava lá. É difícil a gente de fora opinar. Não dá para você crucificar algum jogador, treinador ou preparador físico. Se todos ganham, todos ganham. Então, a gente precisa focar como grupo e ver o que está acontecendo de errado e melhorar.”

Giovane também salientou a falta que essa dupla faz para o Brasil

"A gente perdeu o Douglas, por exemplo, como um ponteiro. É uma perda gigantesca pro Brasil. Acho que é um dos melhores do mundo hoje. E não tê-lo na seleção brasileira é uma coisa importantíssima que a gente tem que levar em consideração. Não ter, por exemplo, o Leal que nós tivemos nos últimos quatro ou cinco anos, também é uma perda gigantesca. Leal é um dos melhores jogadores de vôlei do mundo. Quando a pessoa olha pro lado de lá e vê o Leal, ela se comporta de forma diferente."

"Se a gente pensar que o Adriano (Xavier) entrou no lugar de um deles, que o (Lukas) Bergmann entrou no lugar deles. Eu vejo que esses jovens, por mais promissor que eles sejam, são atletas de dois metros de altura e têm técnica, mas ainda não estão prontos para poder suportar essa pressão toda."

Giovane elogiou um desses jovens jogadores do time de Renan no Pré-Olímpico.

"O Darlan vai na raça mesmo e faz muito bem porque com 21 anos não dá para a gente esperar que ele seja calmo, tranquilo e que resolva o problema do Brasil. Mas é nessa emoção que ele está colocando que a gente precisa de gente sanguínea ali dentro e que vá para dentro, mesmo que seja até mais na coragem do que na técnica. Então, é um momento extremamente delicado pela falta de alguns desses jogadores. Depois, para um outro ciclo olímpico, a gente vai ter tempo para colocar esses jovens para jogar, para experimentar e ir criando casca. Assim, a gente dá tempo para eles amadurecerem"

O Rodrigão também fez uma comparação de como seria esse torneio se fosse na época em que ele, Serginho e Giovane estavam na seleção.

"É um campeonato que se a gente falasse aí, pelo menos na época que nós jogávamos, nós teríamos uma preocupação de tomar um pouco de cuidado com a Itália e talvez Cuba. Os outros adversários nós teríamos a obrigação de vencer. E hoje não dá para a gente cobrar essa obrigação porque o nosso time tá jogando de igual pra igual com eles. Antes, existia uma certa superioridade, o Brasil tinha essa obrigação de vencer e a gente lidava muito bem com essa pressão de ter que ganhar.”

A seleção brasileira conseguiu uma das duas vagas em disputa neste Pré-Olímpico após vencer a Itália na última rodada no 5º set, mas só a possibilidade do Brasil ter corrido o risco de não se classificar para os Jogos Olímpicos foi difícil de imaginar.

"É difícil até de imaginar algo do gênero, assim como não imaginava que a gente poderia perder o Sul-Americano na Argentina. Então, é uma das coisas que me preocupou demais. Na disputa do terceiro lugar na Olimpíada (de Tóquio), eu sabia que para o Brasil seria um pouco mais complicado vencer a Argentina porque quando p time que vai pra ganhar a medalha de ouro e perde uma semifinal, é difícil se recuperar. E assim, para a Argentina a medalha de bronze seria um sonho, mas para o Brasil seria uma obrigação vencer a medalha de bronze."

"Agora, no Sul-Americano, a obrigação era nossa. A gente teria que ter ganho. São coisas que vem preocupando, porque não é só o resultado momentâneo. Não participar de Paris pode causar um impacto no esporte. E por que eu digo isso? Comecei a jogar voleibol porque a seleção foi campeã olímpica em 1992. Assim, se você tiver uma Olimpíada e nós não temos o nosso esporte lá, isso é mais preocupante ainda. Não ganhar ok, mas estava lá e mesmo assim vai inspirar alguns atletas ou algumas pessoas a praticarem o voleibol."

"O resultado agora não afeta somente a seleção, mas afeta toda essa cadeia do voleibol, os clubes, investimento, patrocinadores, Superliga e atletas. Então, tudo aquilo que se criou durante essa geração que venceu muita coisa. A gente encheu e encheu o balde, e a gente pode estar chutando esse balde e esvaziar tudo de novo. Então, isso é uma coisa que me preocupa demais o que está acontecendo com o Brasil."

Se o momento da seleção brasileira de vôlei preocupa por também afetar o futuro, a base do Brasil também sofreu com alguns resultados negativos, como o 6º lugar no Campeonato Mundial Sub-21 neste ano. Mas Rodrigão, que passou pela base da seleção, minimizou esse ponto.

'Eu acho que a gente precisa pensar como uma preparação para a seleção principal. Às vezes, a gente tá pensando olha, eu vou dar oportunidade a jogadores talvez mais altos, que tenham futuro, talvez a gente vai perder aqui no campeonato mundial, mas eles vão criar bagagem para quando chegar na seleção principal, estarem prontos."

"Fiquei feliz com nomes como a Fofão, por exemplo. que está trazendo toda sua experiência para a base e que isso serve até na seleção principal, como a Sheila, por exemplo. Precisava um pouquinho disso aí também, às vezes no masculino. No mundo não teve um líbero como o Serginho ou um bloqueador como o Gustavo. Eu acho que a gente precisa trazer experiência. Talvez trazer esses grandes atletas para ajudar quem está chegando e quem às vezes não passou ainda por essa pressão que está acontecendo agora."

"Eu acho que seria interessante a gente resgatar um pouquinho aí o passado. Aquele um pouco de arrogância interior, de chegar dentro da quadra e mostrar que o Brasil treinou mais que todo mundo e que se preparou mais que todo mundo e merece isso. Contra Alemanha, a gente vê o primeiro set, depois eles apertando, a gente começa a ceder para a pressão e isso não pode acontecer jamais."

Giovane, que trabalhou como técnico muitos anos nas categorias de base da seleção, também comentou sobre esse cenário recente dos jovens do Brasil.

"A gente passou por um momento aonde a gente não tinha orçamento, por exemplo, para fazer excursão com essas seleções. Então, nós perdemos um pouco sim nesse aspecto, porque você se distancia bastante, principalmente dos times europeus, que jogam muito mais do que a gente. A minha crítica a nossa categoria de base é que não dá para a gente treinar a seleção adulta de um jeito, e a sub-21 de um outro jeito e na sub-19 de outro jeito. Isso tem que ter um alinhamento e isso tem que ter uma continuidade. O garoto que entra com 17, ele tem que ter a oportunidade de treinar o bloqueio para quando chegar na adulta, ele estar pronto. Se não, a cada dois anos muda e ele troca de jeito de treinar. Isso é um ponto que a gente precisa estar atento."

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